Os Cegos - Pieter Brueghel

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Queda

Surjo sem querer
verticalmente ao Sol
Ases me arrebatam à hora
morta de voar
- narciso decadente e solitário
sinto uma lacuna
em lugar da palpitação
o cheiro de mofo inebria
os castelos assombrosos de meu pensamento
palram pássaros colossais 
a língua jamais falada
e eu, nua 
dispo cada palavra

Noite sem fim

Não se sabe se é dia
à noitinha
em Paranapiacaba
onde as brumas
se deitam
Não se sabe se ainda há vida
quando chega a noite
e a tempestade
Mas se ouvem passos
nas calçadas enlameadas
E sussuros vindos do lado de lá
Há mortos vivos em toda a parte
perdidos de si
sem alma
Vidas pela metade
à espera
de algo que nunca virá

Andrea Marques

Noitinha

Quem tira pra dançar
a dançarina
ao som de Pan
tem asas nos pés de planta
e louros na cabeça
troca a flauta oca
por um bom pé-de-valsa
Quem valsa
sem saber dançar
resfolega
feito siriri ao por do sol:
- perde as asas
para o anoitecer
e as brumas vêm e vão
todos os dias
dançar mais uma vez
anoitecida

Andrea Marques

Fiar

Roca a fiar
entrementes
fi o s  de  pe n s a m e n t o    
 - tramas -
tece comentários
desfia palavras

ao
v   e   n   t   o

São Paulo, a terra da... tempestade

Nuvem vem mansa
liquefaz o dia
Olhares transbordam
em São Paulo
Ruidoso temporal
elétrico, traz vendaval
-Corre, tira a roupa do varal!
Gosto quando a chuva escorre no meu rosto
gosto de sentir o cheiro da chuva na terra...
asfalto
-deixa chover!
é perigoso falar assim
aqui
- onde nada escoa
nada escorre
imunda!
onde qualquer pingo pode ser
a gota d'água

Andrea Marques

Onde vivem os monstros - comentário

Me emocionei muito com o filme "Onde vivem os monstros". É impressionante como o diretor Spike Jonze consegue todo o clima da infância sem máscaras, numa atmosfera sincera de como é ser criança. Quem não se sentiu assim quando criança? Eu me lembro que eu só queria crescer e ser adulta, tamanha era a carga de ser criança pra mim. Nunca tive voz, nunca tive vez, tinha que mendigar os restos do amor dos meus pais, tinha que conviver com a agressividade das minhas irmãs, do mundo externo e, principalmente, interno: minha casa. Ser criança para mim era uma tortura. Eu via e ouvia coisas, dormia sempre com medo do escuro, do que o escuro guardava, do silêncio mortal da noite. Invariavelmente acordava assustada e gritando, mas ninguém vinha, eu nunca dormi na cama dos meus pais quando ficava com medo. Não sentia o calor da família. Mesmo quando adolescente ainda não conseguia me expressar, minha mãe sempre me mandava calar a boca, sempre me olhava com reprovação. Crescer não foi fácil. Mas apesar de tudo eu ainda consegui ter uma infância com muitas brincadeiras, muitas invenções e não deixei os problemas me bloquearem. Hoje sou quase normal... não ofereço riscos reais à sociedade...rs Mas muitas pessoas trazem seqüelas da infância. Eu tenho minhas máculas que procuro controlar, esconder, reprimir. Afinal, não podemos viver do passado.
Bom, eu só queria dizer que esse filme despertou todas as sensações da infância novamente em mim. Eu me sentia tal qual o Max e revivi tudo isso assistindo ao filme. E gostei muito. É bom para pensarmos em como agimos com nossas crianças. Como as reprimimos, assustamos, em como somos cruéis, covardes. Queremos sempre nos sobrepujar às vontades, aos desejos das crianças. É uma forma de nos sentirmos dominantes, adultos... Pensemos então como as crianças e vamos refletir sobre esse filme. Acredito que o mundo será muito melhor se mudarmos nossas atitudes perante os pequenos e indefesos.

Ângulo

Olho redondamente
aos arredores
dores
Pensei que morrias de amores
me desprezas como eu não queria
chorei tantas lágrimas
lástimas
Mas eis que, paralelamente
olhei através, acima
panopticamente

vi

Andrea Marques

Versinho de voar antes de morrer

Vendas ocultam
olhares sóbrios à procura
que
tudo vêem mesmo em brumas
Ah se eu fosse
seria um canário
voaria alto ao campanário
e calaria os sinos

Andrea Marques

Tempo


Às vezes tenho
tempo às vezes tempo
nem sempre
tenho
tempo corre foge
lança tantas horas
ao vento
tento fugir
mas o tempo escapa
entre os dedos
tempo lento
faz a volta
olha a hora!
- ainda está em
tempo.
Com o passar das horas
passarelamente
ando paralela
ao sabor do vento
Nem sempre solto
às vezes curto
é sempre assim:
acabou o tempo
Ando sem relógio
sem saber das horas
impróprias
de se fazer cachinhos
de falar bobagem
grito impropérios
ao sabor do vento
Quero que numa ventada
o tempo leve
o que eu já sofri
Tempo corre solto
às vezes é tão rápido
O tempo nunca pára
e o relógio corre parado
O tempo determina tudo
O que falamos o vento leva
o que somos o tempo leva
deixamos para trás apenas as impressões
a pessoalidade
quando se é importante
se fomos alguém na vida
o tempo não nos apaga
ao contrário
se passamos
como as páginas de um livro
em branco
o tempo é implacável
ali mesmo acabamos
antes mesmo de morrer

Andrea Marques

Sem título

Um dia pensava que
Era
atuava em um circo
andava em circulos
e me sabia infeliz
Certo dia subtraí-me
do nada
Restei

Andrea Marques

Ida

Vou
Através de montanhas nevadas
Campinas
Me dispus a partir
A morte me assusta às vezes
Mas vou
Experimentar novos frutos
O mel das flores
Me dispus a lutar dessa vez
Vou
Travar mais uma batalha
E vencer 

Andrea Marques

Labirinto

Você viu o que fez?
pegou meu amor
trancou e rotulou de
- Meu!
se apossou assim de cada sentimento
de cada palavra
de meu olhar
se apropriou de meu corpo
de meus pensamentos
e quando vi
eu estava em pedaços
era inteira sua

Me perdi no labirinto
do seu olhar
me perdi pelo seu cheiro
me perdi de mim
e não sei mais voltar



Andrea Marques

Intransigência

Renego
impávido eu retirado à força
de mim
à custa da Imagem
Nego
deslocado            eu
trancado à força
à custa da Igualdade
dentro de mim
Ego
mantenho afastado
qual sociopata
à custa da Materialidade
longe de mim
e abdico
do caminho traçado
da impessoalidade
Sendo!

Andrea Marques
Andrea Marques

Ego sem sentido

Corrompo as regras
e num arroubo
caio em Si
Salto mais alto e vejo
além da ignorância
Será que essa mesmice dura?
Dura realidade
Até quando tenho que dissimular o que sou
guardo escondido meu
Eu
Qualquer dia desses
ejeto de mim


Andrea Marques

à escuridão

Quando nascemos
pisamos com pés descalços
a lama do mundo
Alguns, ainda
se impregnam do lodo
mesmo depois de saberem...
Percebi que às vezes
não tenho a quem chorar
então, talvez haja resignação
em saber que nada aqui é para sempre
Quando nascemos uma rosa louca
Pariu sementes dementes
Entrementes inalava-se o odor lúgubre
- dos brejos sem flores -
que exala agora
Da boca do homem
Quando fomos paridos
Partiu-se o coração
A Mãe pereceu
Os seres partiram para depois de amanhã
E fez-se noite

Andrea Marques

Utopia

Quisera voar...
mal sei andar sobre minhas pernas


Andrea Marques

Versinho de infância

Felicitá
embora sumida

embola rola

um riso
pueril

Andrea Marques

O que fizemos de nós? - pintura poética

Pairam ainda prosas
             ar
no                    risos suspensos
Versos descabidos do que fomos
pra onde?
Hoje
somos palhaços de nós mesmos
findo mudos
num circo de ponta cabeça
sem domadores
dissimulando verdades                          
                         in   
                            digestas                    
não sendo

Andrea Marques

Encéfalo eclíptico - pintura poética

o
eclipse cerebral
afunila a
             Cria

                             t

                             i

                               VIDA

                             d

                             e
reproduz fluidos
vídeo ilógicos
em vitrines ence...fálicas
veias pulsam assim
tétricas
assimétricas
repulsa
mediocridade

Andrea Marques

queda - pintura poética

c
  a
    i
     o
        en mim
           saio

Andrea Marques

Origem da Luz - pintura poética

Atmosferatômica
Éter poeira cômica
Celeste veste lunar
Velhas constelações

Libam o caos

Nix, prenha do Firmamento
regorgita semen-tes
Parirá em vias-lácteas dessertas
encarceradas estrelas-do-mar

Andrea Marques

Abortar - pintura poética

Insurgida
prAfora
nEgo afogo
Á tona
Aporto um mar
AnCoro
e não caibo em Sol
Biocosturados
ilhós almáticos
a-mada
sépala palatal
prestissimo
a tiro em ti
deste nada
a feto
de mim

Andrea Marques

Resquícios pueris

Longos braços da madrugada
se debandam pra depois de amanhã
afogando o hoje em talvez
Ébrios de viciantes nãos
giramos ao sabor da nave
Mãe!
Encapsulados
tecemos teias de aranha estáticas
Em tempo:
- Colhíamos, pueris, o sol poente
E costumávamos ouvir
O solo de um sabiá -
sibilantes cancionetas
Palrávamos pirateando a estibordo
- aprendizes de faz-de-conta -
em tempestuoso barlavento
O que se perdeu no tempo
se dissolveu em brumas incensais
Saltimbancos em bandos
trouxeram entrementes
Sonhos
que deixamos para trás

Andrea Marques

Madame Hortense à Kazantzakis


Casas assobradadas
assombrados imbuzeiros
Pássaros passam
passeiam à volta
perdem a noção do tempo
O sol de Creta vem descendo
deitando a dama da noite em seu ventre
tudo recende a mofo e a perfume barato
As estrelas vigiam noturnas
Silêncio
O véu da noite abre-se tal qual picadeiro
O vento exala o cheiro de Bubulina
sereia decadente convidando ao amor
Surgiu a Aurora horizontal
clareou as janelas
clareou a vida
e Zorba dança na areia de Creta

Andrea Marques

Sonho de Afrodite

Alçada alma
orbito entre sóis celestiais
entre deuses
entes dementes
dentre mortais
Não fosse loucura me mudaria
muda às esferas
fugiria à fera que me atormenta
desalento da carne
Não fosse você
alçaria um vôo cego
rumo ao caos
alento de meu ser
Seria flor que brotava nua
na encosta fria
Seria serena sereia
madeixas de medusa
seios apontando o óbito
lábios apocalípticos
Chamava-te a meu regaço
cantava-te cantigas antigas
sobre lânguidas brumas
valentes navegantes
reis depostos
Ah, não sou sereia
Vagueio devagar
pisando leve nas pedras do caminho
para não acordar os espinhos
que dormem
Ouviria ao longe cantigas
antigas de sonhos despedaçados
e princesas impotentes
Ouviria
não fosse o mel quente que expele
a escorrer no abismo
a saciar-me a sede
absinto
sonhos psicodélicos
soturna, acordo
   
Andrea Marques

Eco

Arremedada a voz do vento
vagueia à volta
Ventania abissal
rodopiando voz velada
revelada vendaval
Grito
o abismo
repele o som
A voz que o vento
levou
           lenta 
solta             retumba          
volta
v e r t i d a  e m  s o n s

Andrea Marques

A Marcha por Renato Schiavo

As pedras sob meus pés desnudos,
recobrem a estrada, o chão, a terra e minha visão.
Ao final do pequenino ponto do crepúsculo,
vejo a figura humana,
em sua silhueta luminosa,
como um farol a sinalizar os mares trepidantes e negros.
No avançar doloroso,
minhas pernas hesitantes caminham sem vontade...
Vibram...
Seus nervos inflamados e o vermelhidão sangüineo marcham,
pé ante pé, olhos sem piscar.
Um músculo de sangue me move,
que voluntariamente pulsa.
O desenho espectral toma forma,
delineia-se, move-se.
Ergue uma mão,
que aguarda a minha,
a arrancar-me do caos, em direção ao cosmos.


Nascimento e morte das fadas

A pinceladas penteio
o cabelo do vento noroeste
Catavento
Vôo na cabeleira da brisa
gangorra das deusas
Pulo as ondas do tempo
que comandam encapeladas
Ampulhetas
Nas horas mortas
Fazia-se amor com as borboletas
Que emprenhavam de homens puros
Em seus casulos geravam fadas
Aladas
Que morriam ao amanhecer
Por se saberem desacreditadas

Andrea Marques

Velho Vilarejo

Cruas marginais do tempo
sopram em versos brandos sibilando vento
E o que ficou pra trás?
Tormentos
E o que ficou pra trás?
Tempo
Implacável como a vida
haveria de terminar
Ais, lamentos
Sentimentos vastos, tolhidos
ungüentos
Hipocrisias deixadas pra trás
Velhos mortos velhas ruas velhas nuas
Cruas encruzilhadas se cruzam 
roda do viradouro gira gira
sem tempos vindouros
Roda, só roda
Não sai do lugar
E fica
Às margens dos tempos

Andrea Marques






Entrelinha II

Cerra férrea boca
embocadura
A dentadas fere a fera indomada
- palavra -
Numa erupção o grito
rebenta a grade dentária
e jorra verbo desanda o berro
numa interjeição
afogada palavra

Andrea Marques

Entrelinha I

Hermética minha boca
fecha: - labaredas de fogo
Língua
Trapos farrapos fiapos de palavras
desfiam na pauta do vento
Rima
Reverso verso branco da linha
férrea atrela à entrelinha
Reluz brilhando andaluz
estrelinha

Andrea Marques